quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Nao tenho fé suficiente para ser ateu

A maior de todas as religiões
Enquanto esperava meu vôo em Londres, observei um sexagenário com pinta de professor universitário. Ele lia um livro deliciadamente, rindo alto e espalmando o joelho em concordância com o autor. Como editor que sou, fiquei curioso sobre o autor que despertava tanta reação. Logo embarcamos, e por coincidência o mesmo senhor sentou-se ao meu lado.

Vi que o que lia com tanto deleite era nada menos que The God Delusion (Uma ilusão chamada Deus), o novo best-seller de Richard Dawkins, papa do ateísmo. O livro faz parte de uma recente safra de obras da nova guerrilha ateísta, um ababelado grupo de cientistas que se organiza para acabar de uma vez por todas com a idéia maluca de que existe um Deus. O lançamento causou frisson na mídia; virou matéria de capa de Wired, Época e de muitas outras revistas. Lembra a provocante capa preta da revista Time em 1966 que perguntava: "Is God Dead?".

Na verdade não há muito de novo nas argumentações desse grupo. O inusitado está na concentração maior sobre a ciência, em detrimento da filosofia, e na capacidade de articulação e agregação que a internet lhes providenciou. Sites como edge.org, por exemplo, mal escondem a euforia quase colegial dos intelectuais agnósticos e humanistas que descobrem nas teorias uns dos outros novas maneiras de negar a existência de qualquer inteligência superior.

Além de Dawkins, outro nome que desponta é Sam Harris, autor de The End of Faith (O fim da fé) e do recém-lançado Letter to a Christian Nation (Carta à nação cristã), um apelo aos cristãos americanos para que abandonem o fanatismo, a fé e o preconceito contra os ateus. Harris, o ateu fashion, queridinho do site YouTube, argumenta com base não em lógica mas em ridicularização.

O renomado crítico literário Terry Eagleton, marxista e agnóstico, acabou com The God Delusion numa resenha publicada na London Review of Books. Eagleton chama Dawkins de irresponsável, superficial e inconclusivo; diz que os fundamentos que dão estrutura à fé cristã não podem ser descartados com tanta arrogância. Há sim o que estudar. Eagleton dá a impressão de ser um sujeito que não consegue crer, mas lamenta esse fato.

É certo que The God Delusion fará sucesso quando for lançado no Brasil. A tarimbada intelligentsia de sempre terá uma razão a mais para se sentir superior. A parcela "sem religião" da população não conseguirá entender que o ateísmo também é religião - talvez a maior de todas, porque deposita fé fundamentalista na teoria de que tudo que existe surgiu de um vácuo, de um buraco, de um zero no éter.

Como se argumenta contra um ateu? Num primeiro momento, certamente não vale a pena abrir a Bíblia, a não ser para considerar a página, o papel, a celulose orgânica usada para fabricar o papel, a árvore da qual veio a celulose, a semente da qual veio a árvore, e assim sucessivamente em ordem reducionista até chegar ao elemento inicial.

Para o ateu, imagino que o maior desafio de todos é explicar como um "algo" pipocou repentinamente do nada. Talvez fosse um passe de mágica, um condão que desencadeou uma seqüência de etapas que acabou numa sala de espera de aeroporto com um cara lendo o livro do Dawkins. Sinceramente, tenho menos fé que isto. Prefiro a lógica da história mais natural, que começa assim: "No princípio, Deus criou".

Mark Carpenter, em texto publicado na Ultimato.


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