terça-feira, 21 de outubro de 2008

Toda nudez -

O ator Pedro Cardoso diz que foi "mal compreendido" ao atacar o que chama de uso pornográfico da nudez no cinema e na TV. Ele leu manifesto sobre o tema há duas semanas, no Rio, antes da sessão de "Todo Mundo Tem Problemas Sexuais", que produz e no qual atua --sem cenas de nudez.

Críticos do manifesto apontaram moralismo do ator. "Estou querendo falar da construção do Brasil e de como a pornografia, nos meios de comunicação de massa, atrapalha o país a se identificar", afirma ele.

Para Cardoso, 46, "o Brasil não é um país de pornógrafos", mas "a pornografia está se tornando uma expressão oficial do país". Ele diz que, ao se opor à pornografia, faz um "apelo para que os meios de comunicação de massa mostrem um país mais parecido com ele mesmo".

FOLHA - Você é contrário à pornografia?

PEDRO CARDOSO - Minha batalha é contra o disfarce da pornografia em obra de arte e em entretenimento. Quem quiser fazer pornografia ou usufruir da pornografia no seu mundo privado não é assunto meu.

É assunto meu que a pornografia esteja, disfarçada, na novela das seis, no programa de auditório, na quase totalidade dos filmes, porque atingiu meu mercado de trabalho. É disso que estou falando. Não fui compreendido.

As críticas não foram feitas ao que penso, mas ao parágrafo em que disse que a nudez inviabiliza a arte de representar. É uma questão tão acesa que roubou o foco principal do que eu estava querendo dizer.

FOLHA - O que quis dizer ao afirmar que é sempre o ator quem está nu em cena, nunca o personagem?

CARDOSO - A questão do nu para o ator é muito complexa. Para representar nu, um ator terá que vestir a nudez do personagem. Se algo de verdadeiramente fundamental acontece na história no caminho da nudez, o ator é capaz de representar o personagem nu e, numa habilidade muito grande da sua arte, iludir a visão do espectador, de modo que ele veja a nudez do personagem sobre a nudez do ator. Ou seja, o ator tem que vestir algo inefável. É possível. Não tenho nada contra a nudez em si, como uma possibilidade de momento da arte.
Tenho contra a nudez sem história, onde o ator fica nu na hora em que tira o figurino. Convenhamos, um homem ou uma mulher tomando banho, como é freqüente ver na TV aberta, é algo prosaico. Essa nudez é mera exibição do corpo da atriz. Não é dramaturgia. Uma relação sexual entre dois personagens em que nada acontece além da própria relação não é dramaturgia.
FOLHA - Você diz que, por "ingenuidade", aceitou convite de Ivan Cardoso para um filme em torno da descoberta sexual de jovens que, de fato, era a pornochanchada "Os Bons Tempos Voltaram: Vamos Gozar Outra Vez" (1984). Você não havia lido o roteiro antes de filmar?
CARDOSO - Meu personagem teria uma cena de sexo, sumariamente descrita no roteiro. O roteiro não indicava que as cenas de sexo seriam explícitas. Ele disfarçava a pornochanchada em um filme de aventura adolescente. É sempre assim. Ninguém te convida para o ato pornográfico nomeando-o como ato pornográfico.

FOLHA - Ao perceber o que era, você abandonou o set e um dublê fez a cena. Com tal atitude, no início de sua carreira, você não provou que é possível dizer "não" a uma cena da qual discorda sem que isso inviabilize sua ascensão profissional?

CARDOSO - Isso, que aconteceu comigo há quase 30 anos [o filme foi rodado em 1983], intensificou-se muito. Hoje, 98% dos convites feitos a uma atriz incluem uma cena de nudez. Se a cena é pornográfica, não sei, mas incluem cena de nudez.

Então, é muito difícil para o ator entrar no mercado de trabalho se ele disser esse "não". Essa opressão, muitas vezes, empurra atores e atrizes a dizer um "sim" muito contrariado.

FOLHA - Que reação seu manifesto gerou na Globo?

CARDOSO - Está faltando comparecer à discussão a figura dos empresários que investem em comunicação de massa. Eles deveriam dizer o que pensam sobre o que está em discussão. A questão não se resolverá entre artistas. A Rede Globo não me procurou, nem acho que o fará. Em meu texto, não especifico nenhuma empresa. Falo de uma coisa geral. Minha questão não é particularizada com empresas nem com pessoas.

FOLHA - Mas seu manifesto não está relacionado ao seu namoro?

CARDOSO - Não respondo perguntas sobre minha vida particular, porque considero que a totalidade da imprensa que cobre os fatos culturais não tem parâmetros éticos confiáveis.
Mencionei o fato de namorar uma atriz por honestidade intelectual, quando percebi que a temperatura com que eu lidava com esse assunto era causada pelo fato de ver minha namorada ter de enfrentar os ataques da pornografia diariamente.

FOLHA - Supõe-se que seu manifesto contenha referência à atriz Graziella Moretto, apontada como sua namorada, e ao filme "Feliz Natal", de Selton Mello. Se essa percepção for equivocada, não lhe incomoda que pessoas alheias à questão estejam sendo associadas a ela?

CARDOSO - Sobre esse assunto, já disse o que queria dizer. Aqueles que fizeram o que descrevi sabem quem são. [Cardoso afirmou ser "freqüente que esses cineastas de primeiro filme exibam para seus amigos, em sessões privê, as cenas ousadas que conseguiram arrancar de determinada atriz".]

Não os nomeio, porque fatos como esses são impossíveis de serem provados, porque são tremendamente subjetivos.

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