quinta-feira, 26 de julho de 2007

Conto - Atormentando-se a si mesma

Acordou com o barulho dos afazeres doméstico. Sempre acordava de mau humor. Olhou para o teto, um raio de sol teimava em entrar. Ainda na cama, se olhou no pequeno espelho, não era feia, nem bela, era diferente da maioria dos habitantes da região que tinha pele tisnada e cabelos crespos. Tinha olhos azuis, pele pálida, cabelos loiros lisos e por isso era alvo de gracejos. Seus colegas e, até alguns de seus professores, a chamavam de Flor de Algodão, Copo de Leite, Branca de Neve.


Ouviu a voz irritada de sua tia: "Levanta, menina, passarinho que nada deve, faz tempo que saiu do ninho; em quinze minutos vou retirar a mesa, próxima refeição só na hora do almôço". Bom , se vou ficar sem o café da manhã, melhor dormir mais um pouco, ou melhor, ficar mais um pouco debaixo das cobertas quentes, deixar o tempo passar e remoer pensamentos.
Perdera o desencanto com a raça humana aos seis anos, não era alegre e nem triste, era introspectiva. Gostava mais dos personagens da literatura do que os da vida real.
Leu, aos doze anos a trilogia de Veríssimo, e pasmem, leu Marquês de Sade. Leitura era seu lazer, era também, sua fuga da realidade. Leu tudo que caiu em suas mãos, que pena naquela cidade atrasada não tinha bibliotecas. Na prefeitura local tinha uma sala com alguns livros encaixotados, outros espalhados pelo chão, e foi de lá que retirou alguns livros empoeirados, sem ficha tecnica, sem qualquer orientação.Também, costumava catar do chão das ruas, revistas velhas, fragmentos de livros, e até folhas de velhos jornais.

Costuma fixar o olhar em algum ponto ou pessoa por longos períodos, tal habito afugentava as pessoas de sua presença. Mais tarde veio a saber que tratava-se de sindrome do olhar fixo. A maioria a achava estranha, outros diziam coitada, sem pai, sem mãe
Casou-se aos dezessete anos, com um militar da cavalaria, e nove meses depois estava viuva. Seu marido foi vitimado pelos bacilos de Koch. Para evitar mais preconceitos dizia que seu marido adoecera e morrera em conseqüencia de uma queda de cavalo, por isso vomitava sangue. De nada adiantou, as pessoas a evitavam, temiam que tivesse contraído o mal e, assim, as contaminassem.
Vestiu preto até a missa de sétimo dia. Depois recusou-se a vestir roupas de viuvez.
Na semana que completou dezoito anos,tres meses após ficar viuva, aproveitou uma carona e foi à capital para fazer seu documento de identidade. Ficou hospedada na casa de um primo. Ao ser recebida, sem muitas efusões, informou que ficaria por uma semana, tempo suficiente para a feitura de seu documento de identidade. Naquele mesmo dia, postou uma carta que trouxera redigida, envelopada e selada. Informava que ficaria por um mês, fora muito em recebida, seus anfitriões fazim questão que ela permanecesse por um tempo maior, já estava com saudades.
No sétimo dia de sua estada, arrumou sua bagagem, despediu-se. Seu primo a levou a rodoviária, pediu desculpas por não acompanhá-la até o embarque, estava atrasado para o trabalho. Riu-se a viuvinha, não faz mal, afirmou, já sou maior, e tenho RG. Deu alguns passos e acenou. Dirigiu-se ao guichê, fez algumas perguntas e saiu sem comprar passagem. Saiu do terminal rodoviário, foi ao lugar informado pelo funcionario da empresa rodoviário, leu a placa publicação de anúncios - Jornal da Cidade. Entregou escrito, para ser publicado, no dia seguinte, o seguinte texto: Faleceu ontem, vitima de acidente automobilístico, Agnela Nogueira - 18 anos.
Retornou à Rodoviaria, foi ao guichê oposto, comprou uma passagem, correu para o embarque, o onibus já estava com o motor ligado, foi a ultima passageira a acomodar-se. O passageiro ao seu lado comentou que ela quase perdera a viagem.

- É...
- Está viajando sozinha?
- Sim.
- Qual o seu nome?
- Angela.
- Bonito nome, Angela, combina com você.
- Desculpe Senhor, fui orientada não conversar com estranhos.
Abriu um livro numa página marcada e leu "conhece-te a ti mesmo".
Ouviu a voz irritada de sua tia: "Levanta, menina, passarinho que nada deve..." Remexeu-se na cama, na cama não, na poltrona, abriu os olhos e fitou a estrada reta longa, parecia infindável..., seu destino ainda estava longe, melhor fechar os olhos e remoer suas lembranças.

Capítulo II

Ouviu seu nome sussurrado, acorda Agnes, preciso lhe dar uma noticia muito ruim. Era seu avô debruçado sobre a rede na qual estava dormindo. Acordou, mas continuou com olhos fechados. Por quê estava deitada numa rede, tinha certeza que se deitara em sua cama.Ouviu de noite barulhos estranhos, choro, ou tinha sonhado? Acorda, preciso lhe contar...

Lentamente, Agnes abre os olhos, seu avô estava com o rosto bem próximo ao seu, sua fisionomia, quase sempre serena agora diferente, alterada.
-Agnes, minha menina,você não tem mais mãe.
- Hã?
- Mataram sua mãe?
- Quem matou?
- Seu pai.
Agnes só tem cinco anos, nunca tinha ouvido falar em morte de humanos. Morava na fazenda já tinha presenciado, muito compugida, morte de galinhas e perus para alimentar a familia. Não entende a razão da morte de humanos, entende muito menos a extensão do significado morte.
- Agnes, agora você é orfã.
- O que é orfã?
- Significa que você não tem pai nem mãe.
Ah, então seu pai morrera também. Agnes puxa a coberta para cima da cabeça e dorme novamente. Não chorou. Odiou, seu pai, e com quase tanta intensidade, odiou o mensageiro da terrível noticia. Detestou a rede, fazia frio nas costas e nos pés, estes nunca mais se aqueceram, mesmo quando calçava duas meias, uma em cima da outra, eles continuavam frios.
Sua tia morava na mesma fazenda, e Agnes foi estimulada a ficar boa parte do tempo, na casa dela. Tinha outras crianças e um bebê recem nascido. Agnes se apegou ao bebê, como se fosse uma boneca. Deixavam-na dar mamadeiras, e vigiá-lo nos banhos diários de sol. O bebê era fragil, doente. Morreu com cinco meses. Agnes, não presenciou o sepultamento. Dia seguinte Agnes, pergunta pelo bebê. Morreu, disse-lhe sua tia. E o que acontece quando morre, perguntou . Nunca mais vamos ver, as pessoas que morreram.
E foi aí que Agnes decidiu nunca mais gostar de ninguém. Todos as pessoas que ela amava morriam, sua mãe, seu priminho, e até um porquinho que havia ganho, todo se foram. Nunca mais os veria.

Roselee Salles














 
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