sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Nesta vida, em que sou meu sono


NESTA vida, em que sou meu sono,
Não sou meu dono,
Quem sou é quem me ignoro e vive
Através desta névoa que sou eu
Todas as vidas que eu outrora tive,
Numa só vida.
Mar sou; baixo marulho ao alto rujo,
Mas minha cor vem do meu alto céu,
E só me encontro quando de mim fujo.
Quem quando eu era infante me guiava
Senão a vera alma que em mim estava?
Atada pelos braços corporais,
Não podia ser mais.
Mas, certo, um gesto, olhar ou esquecimento
Também, aos olhos de quem bem olhasse
A Presença Real sob disfarce
Da minha alma presente sem intento.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Telúrica - Confit de Canard - Reminiscências...

Quando criança morava em uma pequena cidade do interior Pernambucano, meus avós
criavam patos num pequeno quintal, na verdade os patos passavam o dia a nadar
no açude da Penha que ficava a uns 500m da nossa casa (Sim, é o açude mencionado
por Graciliano Ramos em seu livro Angustia, Graciliano afirma que lá não tinha
patos, só sapos; no meu tempo tinha patos e não tinha sapos). Logo de manhã
davamos milho para os barulhentos e abriamos o portão, eles saiam em fila
indiana, atravessavam a rua e tchibum no açude... final da tarde, como que
instados por uma voz inaudível para os humanos, mas perfeitamente comprensível
para patos, eles se reuniam e voltavam, em fila indiana, para casa. O açude era
cercado por uma contenção de pedras de quase um metro de altura por meio metro
de largura, e creio que tinha uns quinze ou vinte metros de extensão.Eu ia
frequentemente sentar-me nessa mureta tomar sol, contemplar os patos e pensar
sobre a vida....
Mas o que desencadeou essas lembranças adormecidas? Ah , Confit de Canart!!! Servido por Nathaly L'Amour, num jantar familiar; o tal prato, no dia seguinte, foi apresentado, comentado e
comido nos programas da Ana Maria Braga e do Video Show.
Ai, ai, a minha Avó que nasceu no ano de 1890 nunca falou francês, mas tinha a sabedoria popular, preparava patos , pernil de porco, e conservava-os na própria gordura e ou banha de porco, haja vista que ainda não havia eletricidade lá na cidadezinha.E nos ensinava:
guardado assim na banha dura meses. Na hora de servir, não era servido em porções
individuais, mas em uma grande terrina guarnecida com folhas de alface e batatas
doce fritas. Uma delicia.
É isso aí! Sou chic desde criancinha, alimentada com Confit de Canart embora a anfitriã
informasse : "Hoje teremos pato assado".
PS. Estou digitando e ouvindo televisão, fiquei sabendo que hoje à noite vai ter especial com Jacson do Pandeiro .Voltei no tempo e, novamente me lembrei do Açude da Penha, o Açougue
Municipal ficava bem em frente do Açude da Penha, era um predio alto e nele estava montada a unica boca de autofalante da Rádio Difusora, onde eram noticiados os óbitos, as chegadas e partidas, executava-se musicas de Jacson do Pandeiro, Marinês e sua Gente, entre outros, támbem era anunciada a programação cultural da cidade. Foi ali que ouvi a seguinte publicidade: " Não percam, hoje, a apresentação do filme O fantasma da o- pe-ra. ", e logo após uma voz sussurando: ópera, ópera
- Como? - Ópera, ópera.
E depois, em alto e bom som : "Não percam, hoje, O Fantasma da Ópera,
ópera!"
Eu tinha dez anos....

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Sem braços, sem pernas... Sem problemas

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O Homem que Lê



Eu lia há muito.
Desde que esta tarde
com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me do vento lá fora: o meu livro era difícil.
Olhei as suas páginas como rostos
que se ensombram pela profunda reflexão
e em redor da minha leitura parava o tempo. —
De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e em vez da tímida confusão de palavras
estava: tarde, tarde... em todas elas.
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
as longas linhas, e as palavras rolam
dos seus fios, para onde elas querem.
Então sei: sobre os jardins transbordantes,


radiantes, abriram-se os céus;
o sol deve ter surgido de novo. —
E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
o que está disperso ordena-se em poucos grupos,
obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas
e estranhamente longe, como se significasse algo mais,
ouve-se o pouco que ainda acontece.

E quando agora levantar os olhos deste livro,
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas me entreteço mais ainda com ele
quando o meu olhar se adapta às coisas
e à grave simplicidade das multidões, —
então a terra cresce acima de si mesma.
E parece que abarca todo o céu:
a primeira estrela é como a última casa.


Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens"
Tradução de Maria João Costa Pereira


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?


Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?
Eu sou o teu vaso - e se me quebro?
Eu sou tua água - e se apodreço?
Sou tua roupa e teu trabalho
Comigo perdes tu o teu sentido.

Depois de mim não terás um lugar
Onde as palavras ardentes te saúdem.
Dos teus pés cansados cairão
As sandálias que sou.
Perderás tua ampla túnica.
Teu olhar que em minhas pálpebras,
Como num travesseiro,
Ardentemente recebo,
Virá me procurar por largo tempo
E se deitará, na hora do crepúsculo,
No duro chão de pedra.

Que farás tu, meu Deus?
O medo me domina.


Rainer Maria Rilke -(Tradução: Paulo Plínio Abreu)

Não quero recordar nem conhecer-me



Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olhamos em quem somos.
Ignorar que vivemos
Cumpre bastante a vida.

Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa conosco,
Que passamos com ela.

Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(Pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se.


Ricardo Reis


sábado, 24 de julho de 2010

Eu, eu mesmo



Eu, eu mesmo...
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. —
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...
Tenho um presente? Sem dúvida...
Terei um futuro? Sem dúvida...
Ainda que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu...

Alvaro de Campos

 
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